“Quiet Quitting” e “Quiet Firing” expõem a saúde mental nas organizações

Por Júlia Ramalho

O que o “Quiet Quitting” e “Quiet Firing” têm em comum? O que revelam sobre as organizações e a saúde mental nelas? E o que é possível fazer para mudar esses movimentos? 

Muito tem se falado sobre “Quiet Quitting” (“a grande renúncia”) nos últimos meses. É a nova Buzzword do mundo corporativo. Discute-se que não se trata de um fenômeno novo, mas que, pós Pandemia, vem se agravando no cenário das organizações. 

“Quiet Quitting”, como se refere em inglês, é uma saída silenciosa. Ele descreve o movimento de muitos funcionários que fazem o básico de suas funções, seguindo à risca a descrição do cargo, não empreendendo nenhum esforço a mais. É o inverso do movimento do Workaholic, no qual se trabalha compulsivamente, comprometendo a própria saúde e suas relações pessoais. 

Para muitos analistas o objetivo final do “Quiet Quitting” é, de fato, o funcionário sair da empresa. Dentre os vários motivos para esse movimento são citados: o ambiente tóxico e a cultura que não estão alinhados aos valores do funcionário, a pouca realização no trabalho, salários e recompensas muito ruins. 

E, ainda são citados a liderança que é muitas vezes ineficiente e tóxica, e mesmo, a saúde mental dos funcionários deteriorada. De toda forma, não se deve pensar que esses fatores estão isolados. Muitas vezes, mais de um deles podem estar presentes e motivando a atitude de desligamento silencioso – “Quiet Quitting”.

Não há dúvida que a Pandemia colocou várias coisas em perspectiva. Quando lidamos com eventos de grande impacto na nossa vida, tendemos a refletir e questionar o que é a própria vida. Tendemos a reavaliar o que são nossos valores e o que de fato importa. Ninguém que viveu e sobreviveu a um grande acidente é o mesmo depois, muito menos depois de um evento de escala global. Muitos vivenciaram perdas inesperadas de entes e amigos queridos. Há famílias que foram devastadas com mortes provocadas pelo Covid-19, e ainda seguem carregando traumas, enquanto se recuperam. A Pandemia expôs várias coisas, dentre elas nossas relações e nossa mortalidade.

Dessa forma, a pandemia impactou também na nossa relação com o trabalho. A necessidade de se executar os trabalhos em “home office”, novas formas de entregar os resultados e novas possibilidades de desempenho de funções foram surgindo. Aliados a isso, a descoberta e o reconhecimento de valores, como família, amigos e qualidade de vida, permitiram que muitos repensassem o lugar que o trabalho ocupa em suas vidas. Não se pode afirmar que todos tenham chegado às mesmas reflexões e mesmos valores. Afinal, valor é de foro íntimo. Mas  não podemos ignorar que os problemas de saúde continuam reverberando seus impactos em todos nós. 

De certa forma, todos estamos vivendo esse processo de reavaliação pós pandemia! Então, por que isso não é um tema a ser tratado dentro das organizações? É como se tivéssemos um grande elefante na sala e não fosse permitido falar sobre ele. No mundo corporativo, as pessoas são convidadas a seguirem em frente. Líderes ignoram o quanto ainda estamos imersos nos efeitos, não só econômicos, mas também subjetivos da pandemia.

Nos meus trabalhos de desenvolvimento de líderes e coaching, vários expressam a urgência de encontrar um novo sentido para o trabalho. Eles mesmos se sentem perdidos, embaraçados,  não abrem espaço para processarem isso dentro deles e nem mesmo com o time. Consequentemente, relatam o incômodo com o “quiet quitting” que de “quiet”- e silencioso – não tem nada. O movimento ressoa mesmo como um grito para que todos possam ouvir a dor coletiva que não é trabalhada. 

O “Quiet Quitting” é, sem dúvida, uma estratégia para lidar com um problema que não tem espaço dentro dessas organizações:  a vulnerabilidade! E  expor nossa vulnerabilidade para alguém é um ponto crucial para que possamos desenvolver a confiança. Diante da nossa vulnerabilidade, o outro é convidado à escuta, à empatia e ao acolhimento. Assim, comprovamos a existência da confiança e construímos e fortalecemos nossas relações.

Nas organizações onde há o “Quiet Quitting” podemos ouvir algo muito importante! Ao invés dos líderes abrirem espaço, acolherem e elaborarem novas formas de trabalho, eles seguem desorientados e, cada vez mais, enrijecidos. Encontram soluções do início do século XIX para lidar com os desafios de uma sociedade digital. Aumentam a vigilância sobre o funcionário. E aplicam apenas o viés tecnológico, aumentando o controle sobre o trabalho que está a distância. 

Não renovam e reinventam novas relações. Inventam uma estratégia de gestão para manter em silêncio o que não funciona, através do “Quiet Firing”. Este, surge como ações da gestão para manter a vida do funcionário o mais miserável possível, ao ponto de pedir para sair. Ao invés do diálogo aberto, em silêncio não promovem, não abrem espaço para novos projetos e desenvolvimento, não dão incentivos e nem feedback aos funcionários. 

Assim, todos vivem isolados, em desconfiança, sem poder expor sua vulnerabilidade e sem segurança psicológica. Abre-se espaço, neste cenário, para que a saúde mental de todos se deteriore. Nessa total falta de abertura e confiança, os líderes e funcionários adotam o “silêncio” que grita: estamos todos doentes!