Você faz check up de saúde mental e bem-estar?

Por Júlia Ramalho

Provavelmente, a sua resposta é não. Afinal, o tema da prevenção da saúde mental não é tão falado quanto a prevenção da saúde do corpo, ou mesmo do tratamento mental. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maioria das sociedades e dos sistemas de saúde negligencia a saúde mental. Não há oferta de cuidado e apoio às pessoas que precisam. O resultado é que milhões de pessoas em todo o mundo sofrem em silêncio. Ou, mesmo, têm suas vidas afetadas negativamente por doenças mentais. 

As pesquisas científicas que existem (PUBMED), em geral, apontam fatores específicos como preditivos: a importância de exercícios, o impacto de jogos digitais e redes sociais, desastres, fases da vida como a adolescência e mesmo o uso de determinadas substâncias e etc. Mas, de uma forma geral, não existe um protocolo do que podemos fazer para cuidar de nossa saúde mental, uma vez que cada um de nós é único e tem sua própria história.

A própria psicologia, a psiquiatria e a psicanálise têm boa responsabilidade por não terem protagonizado a cultura de prevenção da saúde mental. Parte se deve ao fato de que estas áreas se desenvolveram estudando e trabalhando com a “cura” da doença mental. E prever o adoecimento é algo complexo e multifatorial.

Dessa forma, a literatura científica sobre saúde mental se limita a prever tipos específicos de eventos – como suicídio, automutilação e primeiro episódio de psicose. Assim como quadros psicológicos como burnout, depressão e transtornos de ansiedade, etc. 

Para além das doenças, a promoção do bem-estar

Com o movimento da psicologia positiva, para além das patologias, houve a mudança de foco da psicologia para a promoção da saúde mental e, principalmente, do bem-estar. 

A  teoria da psicologia positiva surgiu com a colocação de grande ênfase na importância das emoções positivas para promoção do bem-estar. Posteriormente, o bem-estar foi definido como um constructo.  Isto é, construção puramente mental, criada a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria.

A partir da concepção do bem-estar como constructo, seus elementos passaram a ser estudados com o objetivo de entender o impacto no bem-estar. Desde então, os elementos vêm sendo estudados e mensurados, mas nenhum deles define o bem-estar em si. Assim, as pessoas são livres para escolher as coisas, os elementos, em si mesmas que melhor promovem seu bem-estar.

Os cinco elementos do bem-estar

São cinco os elementos que influenciam o bem estar: 

  • Sentido e Propósito: é quando você sente pertencer e servir a algo maior do que você. Pode ter uma dimensão espiritual (Deus) ou mesmo de um grande objetivo e impacto. Ou seja, contribuir com algo maior que seus interesses pessoais. 

 

  • Engajamento: sensação de que o tempo parou porque você está realizando algo com muita concentração. Ocorre quando se está totalmente absorvido pela tarefa. Durante as atividades de engajamento não temos noção do que está acontecendo, mas, ao terminar as atividades, temos a perspectiva que foi divertido, foi maravilhoso etc. Há uma emoção positiva associada a aquilo que você estava fazendo. 

 

  • Relacionamentos positivos: poucas coisas positivas são solitárias. Normalmente nos envolvemos uns com os outros para rir e nos divertir. E muitas vezes outras pessoas são antídotos para momentos ruins. Nutrir relacionamentos positivos e saudáveis aumenta nosso bem-estar. 

 

  • Realização: ocorre quando buscamos alcançar o resultado de uma coisa por ela mesma. Muitas vezes nem há relação de prazer. Pense num atleta que ama participar de corridas. A realização pode ser de apenas participar, estar fazendo aquilo! E  há os que têm a realização apenas no “ganhar”. A realização está ligada a alcançar aquilo que você se propôs. Existe a realização momentânea e há também a vida realizadora de forma ampliada. Exemplo: querer realizar algo na vida

 

  • Emoção Positiva: é sentir e viver emoções positivas. Normalmente associamos a felicidade a viver emoções positivas. Se refere à vida agradável, prazer, êxtase, conforto, afeição, amor e afins. Ela é sempre medida no presente e impacta imensamente a nossa percepção de bem-estar e satisfação com a vida. A satisfação com a vida ocupou lugar central na teoria da Felicidade Autêntica, início da psicologia positiva de Seligman.  Quando estamos respondendo o questionário de pesquisa estamos impactados como vemos nossa satisfação com a vida naquele momento. Segundo estudos de Seligman, o estado de ânimo é responsável por 70% da quantidade de satisfação com a vida que a pessoa relata. E 30% referem-se ao julgamento de como está a sua vida naquele momento.

É possível se avaliar? 

Como dissemos em outros textos, todos estamos vivendo sob pressão, vendo mudanças que não conseguimos construir sentido, acelerados e ansiosos (mundo BANI). Seguimos nos equilibrando frente a um mal estar. E, para além de um diagnóstico psicológico, é possível avaliarmos quando não estamos bem?

Através de uma autoconsciência desenvolvida isso é possível. Mas muitos não conseguem identificar como estão suas emoções. Não percebem que estão irritados e ansiosos, nem o impacto que isso causa na sua vida. Não sabem avaliar como estão seus relacionamentos. Nem reconhecem os conflitos que causam. Não sabem o que os move, o que querem e desejam. Não reconhecem sentido no trabalho ou mesmo em outras coisas que elegem fazer. Não tem motivação para realizar o que quer que deseje e não tem encontrado propósito na vida. 

A autoconsciência é uma meta!

 Não nascemos conscientes de nossos desejos, emoções e o que nos faz bem. É preciso desenvolvermos nossa capacidade de saber quem somos. Muitos desconhecem que são efeito de sua história e de seu inconsciente. 

A “simples” autoconsciência permite que façamos pausas de auto-conexão, autocuidado e auto-reflexão como um check-up! E isso é um grande desafio! É fundamental refletir “o como” a sua vida vai se desenrolando, para melhor gerir a saúde mental e bem estar. 

Enquanto não temos essa auto-consciência tão desenvolvida precisamos de alguns recursos:

  1. Abra espaço para você: desenvolva uma conversa exploratória para se ouvir. Seja através de um amigo que admiramos e confiamos para que possamos conversar sobre esses pontos. Ou mesmo, um profissional de saúde mental, como psicólogo para que possa entender o que está acontecendo. Assim, ser capaz de reconhecer o que está acontecendo com você, seus limites, e ser capaz de reinventar formas saudáveis de lidar com eles. 
  2. Faça um inventário de bem-estar. Há várias ferramentas por aí. Nós adaptamos o modelo do Seligman e no próximo post vamos divulgar para que você tenha um instrumento em mãos para refletir um pouco mais. 

 

E você, como faz o seu check-up mental?