Questões críticas da nova NR-1: de quem é a responsabilidade pelo adoecimento mental do trabalhador?

Julia Ramalho, CEO da Estação do Saber, esclarece questões críticas da norma e a questão da responsabilidade da saúde mental no trabalho.

As pessoas estão perdidas em relação ao assunto da NR-1 e muitas dúvidas estão circulando por aí. Com frequência, encontro executivos e gestores preocupados sobre os procedimentos que precisam ser adotados antes e a partir do momento em que entrar em vigor efetivamente.  

Antes de tudo, é preciso entender o porquê da adoção da mudança na regulamentação. Em suma: a saúde do trabalhador está em jogo! Os dados amplamente disponíveis mostram o processo de deterioração da saúde mental no Brasil e no mundo. De 2023 para 2024, houve aumento de  68% nos afastamentos por adoecimento mental. Os transtornos dos trabalhadores não são mais questionáveis. 

Indo além da questão da nova NR-1

Com lei ou sem lei, não é possível mais ignorarmos o problema. Quando a lei chega é por que o problema já é bem maior. Então mesmo com o adiamento da lei e da fiscalização, isso não faz desaparecer o problema, pois já estamos nele.

Se há o adoecimento mental do trabalhador, de quem é a responsabilidade? Da empresa, do trabalhador ou fatores externos? 

Este é um dos principais pontos que tenho ouvido no mercado: por que a saúde mental é responsabilidade da empresa? Por que ela está sendo responsabilizada? 

Em média, as pessoas trabalham 8 horas ou mais para uma organização. E, se há o crescimento do adoecimento mental e aumento de risco para a vida, não há dúvida que trabalhar em um ambiente tóxico, sem respeito, recheado de abusos moral, sexual e preconceito e sem segurança aumenta o risco de adoecimento. 

Se a organização não monitora como sua cultura vem incentivando valores (conscientes ou inconscientes), não monitora o clima organizacional e como as relações estão sendo estabelecidas nesse ambiente de trabalho, ela não é capaz de entender como isso pode estar impactando a saúde mental do trabalhador. 

Como disse Peter Drucker “Se você não pode medir, não pode gerenciar”. Em outras palavras, sem dados para entender como o ambiente afeta a saúde mental,  a empresa pode acreditar que o problema não existe. Mas, na sociedade BANI – frágil, ansiosa, não linear e incompreensível -, digital e baseada em dados, sabemos que não é bem assim: há sim dados globais mostrando o adoecimento, e cabe à empresa começar a entender qual a sua parte nessa conversa.

Em seguida, tenho ouvido: “Júlia, e a responsabilidade do próprio funcionário e de fatores externos?” 

De fato, a questão do que impacta na saúde mental e seu adoecimento é extremamente complexa. Fatores sociais, como segurança alimentar e de trabalho, fatores pessoais, como histórico de vida, personalidade constituída, estilo de vida e relações, fatores de saúde como sono e doenças, e também, fatores do ambiente em que se trabalha, tudo isso junto e ao mesmo tempo interagem e impactam na saúde do trabalhador.

Responsabilidade compartilhada 

Neste sentido, não se pode dizer que a organização é a única responsável pela saúde do trabalhador. E aqui, os empresários e gestores tem razão de não entenderem por que a conta cai somente do lado da empresa. E assim, é preciso que todos nós tomemos consciência da sociedade em que vivemos e de como o nosso estilo de vida tem contribuído para o nosso adoecimento mental. 

Quando dizemos que o problema é complexo, não existe a “responsabilidade é do empresário/gestor” ou “é do funcionário ou outros fatores”. Precisamos falar da coresponsabilidade como fator central nesse processo. 

A organização tem sua responsabilidade, o funcionário também precisa aprender a se cuidar, e dentro do possível, precisamos todos procurar cuidar do nosso social para que não estejamos numa sociedade adoecedora também.