Os laços sociais e o impacto na saúde mental e bem-estar

Por Júlia Ramalho

Este é o segundo texto sobre saúde mental e bem-estar. No primeiro, abordamos a importância das emoções na saúde mental http://estacaodosaber.art.br/a-importancia-das-emocoes-na-saude-mental-e-bem-estar/ . Dissemos da complexidade do tema, sobre como é multidisciplinar e da importância de um esforço intencional para desenvolvê-lo. 

Do macro ao microssocial

Falar do bem-estar social nos traz um desafio porque nos remete a dois campos. Um, que temos uma interferência mais direta, e outro, que influenciamos, mas muitas vezes não conseguimos atuar tão diretamente. 

O Welfare State – estado de bem-estar social – é um conceito que abrange conhecimentos sócio-político e econômico e tem por foco o papel do Estado no bem-estar da toda população. Esse macroconceito ajuda a modelar as ideologias de nossos políticos e governantes para sustentarem suas ações. 

Não há dúvida de que, quando a economia vai bem, quando todos tem saúde, educação e moradia na nossa sociedade como um todo, há mais segurança, mas não necessariamente mais bem-estar. 

Como foi abordado pelo psicólogo Martin Seligman, a divergência entre bem-estar e Produto Interno Bruto (PIB) pode ser quantificada. Embora o PIB dos EUA tenha triplicado de 1961- 2011, a satisfação com a vida ficou nivelada. E, ainda, os níveis de mal-estar não diminuíram. Aliás, aumentaram dez vezes no mesmo período. Os níveis de ansiedade subiram e caíram as ligações sociais e o nível de confiança nas pessoas e organizações.

Como o pai da psicologia, Freud, nos alertou, conquistar nossa felicidade não é tão simples. Não basta que o Estado nos forneça todas nossas necessidades para nos sentirmos bem. E como bem cantaram os Titãs, “a gente não quer só comida”! 

Garantir o básico ajuda a aumentar nosso bem-estar, trazendo a percepção de segurança. Um ponto importante, mas não suficiente para essa conversa da saúde mental e bem-estar. Não é por que nos sentimos seguros que nossa saúde mental está garantida, mas a saúde mental é influenciada, e muito, pela nossa percepção de segurança. 

No microssocial, quando falamos de bem-estar estamos dizendo dos nossos relacionamentos. Isso sim, temos uma influência direta sobre eles. 

Você constrói boas relações? Sabe nutri-las com afeto e presença? Você tem um círculo de pessoas próximas a quem você se sente confortável para se abrir? Você é capaz de se decepcionar com as pessoas e mesmo assim reconstruir as bases do relacionamento? Você tem pessoas em quem confia? Você tem pessoas com as quais você ri e chora junto? Em última instância, estamos falando de como você constrói e mantém seus relacionamentos de forma saudável, seja de networking ou de amizade e afeto.

O ser humano é um ser social, mesmo que você seja um introvertido e não goste muito de se conectar com pessoas. Como dissemos, essa conversa de saúde e bem-estar não é propriamente prescritiva. Cada um a seu jeito cria as formas de conexão social que funcionam bem para ele(a), não há o volume de contatos “bons”, mas sim a qualidade dos contatos. E isso é uma construção de cada um.

Em Harvard, estudos vêm sendo feitos para investigar os fatores biológicos e comportamentais dos benefícios das conexões humanas para a saúde. Uma pesquisa feita com mais de 300 mil pessoas sobre longevidade indicou que a falta de relacionamentos fortes aumenta o risco de morte em 50%, um prognóstico tão ruim quanto quem fuma 15 cigarros por dia. 

A pesquisa mostrou que relações sociais fortes ajudam a diminuir o estresse e os níveis de cortisol. A pesquisa apontou, ainda, que as atividades de suporte social afetam tanto a quem ajuda o outro quanto a quem recebe apoio ou expressões de afeto.

Nesse sentido, se você encontra uma pessoa que diz da sua importância para ela, você se sentirá bem e isso ajudará no seu bem-estar. Da mesma forma, quando sentimos que nossa vida impacta os outros de forma positiva, isso também nos faz bem. Em outras palavras, podemos dizer que cuidar e ser cuidado, nos divertirmos juntos, ou desenvolver atividades coletivas com objetivos coletivos ajuda na manutenção da nossa saúde mental. E aqui podemos fazer muito, e agora!

Tecendo e mantendo os laços sociais

Vivemos tempos desafiadores para desenvolver laços sociais. Nossa sociedade imediatista, consumista e acelerada não valoriza as relações espontâneas e de afeto. Amar e ser amado é um ato de resistência aos tempos atuais. “Perder tempo” apenas para ouvir o outro, cantar, rir e brincar com o outro é para além da necessidade.

Além disso, no contexto macro, toda tensão política e sanitária da pandemia dos últimos anos continua no ar. A falta de tempo, o medo do contágio, as brigas e o “ranço” das últimas eleições, tudo isso desafia a construção e manutenção das relações. Mas, pela nossa saúde mental, é preciso começar, reconectar e  manter os laços. Por onde começar?

  1. Comece aceitando e valorizando as conexões sociais como algo extremamente importante! 
  2. É preciso intenção e um certo esforço para criar e manter os laços sociais. Coloque isso na sua agenda! Sem se organizar para isso, talvez não haja tempo. Se é importante, então há tempo!
  3. 3) Aprenda a diferenciar o que são relações de networking (de interesse econômico e político, visando ganhos futuros), o que são relações de afeto (que nutrem nossa existência com trocas de cuidado e diversão) e o que são relações de “seva” (de serviço, de querer contribuir e ajudar no mundo). Descubra como você pode atuar em cada uma delas. Cada uma pode te nutrir de uma determinada forma. Faça uma análise verdadeira e se assegure que está buscando as relações que te fazem bem.

Como  desenvolver as relações

Anote em cada um desses grupos: quem são as pessoas que você pode conectar nesse fim de ano? Para os contatos de networking, crie conteúdos de mensagens com interesses comuns. Compartilhe conteúdos relevantes ou mesmo marque um horário para um café para ouvir sobre novas perspectivas da área, do mercado, da economia. 

Para desenvolver as relações de afeto, o Natal já é um convite! O momento nos convida para  sermos mais solidários e amorosos, não desperdice a oportunidade para restabelecer as conexões. Procure ir além da mágoa, caso exista, e foque no que já foi bom nas relações. 

Quanto aos amigos, é um ótimo momento para sair e relaxar um pouco, rir e falar de coisas boas que vocês gostam de fazer juntos. Procure não “usar” os amigos apenas para os problemas. Cultivar o riso e bons momentos é fundamental!

A “seva” é a ideia que podemos servir, “fazer o bem sem olhar a quem”. Há tantas pessoas necessitadas de atenção e apoio, você pode fazer a diferença. Pode ser um vizinho solitário, pode ser uma ação numa creche ou mesmo ações estruturadas nas comunidades religiosas que você participa. Procure com o coração aberto que você encontrará alguém que precisa de sua ajuda. Uma ajuda sem interesse, genuinamente aberta para contribuir.

O fim do ano é um ótimo momento para criarmos o espaço na agenda e reconectar com as pessoas. É um momento onde estamos mais abertos a dar e receber afetos e estabelecer conexões. Aproveite para se nutrir e nutrir os outros através do laço social. 

No próximo post vamos continuar falando das conexões sociais. Vamos aprofundar um pouco mais nas relações de afeto e amizade para inspirá-lo um pouco mais nesse fim de ano. 

E você, como cria a mantém seus laços sociais e sua saúde mental?