O impacto das telas e redes sociais na saúde mental: o desafio da trajetória dos millennials
As empresas ainda não estão entendendo os desafios da geração millennials para lidar com a saúde mental.
Adolescentes em 2009, os chamados de geração millennials, agora fazem parte do mercado de trabalho. E o que há de diferente das outras gerações? Eles fizeram a mais delicada das transições – a adolescência – com um celular na mão e imersos em redes sociais.
A imersão da adolescência e o início da vida adulta nas redes sociais configuraram e reconfiguraram novos comportamentos e hábitos. O contexto aponta para o risco de desenvolvimento de problemas de saúde mental. São desequilíbrios decorrentes do uso dessas inovações digitais.
Não por acaso, vimos surgir na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, CID-11, de 2022, a dependência de internet e jogos digitais como doenças. Os fatos demonstram que não se pode mais ignorar, no limite, os possíveis riscos da interação entre indivíduos e tecnologias.
“Adolescência”: a realidade em série
O sucesso da série “Adolescência” jogou luzes sobre a inquietação das famílias e escolas envolvidas direta ou indiretamente com o tema. E o debate dos efeitos das redes sociais evidenciou um mal-estar no ar, nas rodas de conversas de pais e de especialistas de diversas áreas, da pedagogia e filosofia à psicologia, com a pergunta comum: “como as redes sociais impactam a saúde mental dos adolescentes?”
Conforme matéria “Do Smartphones and social media really harm teens mental health?”, publicada pela revista Nature, o tema do uso das telas pelos adolescentes é complexo e exige atenção. O texto revela que ainda há dúvidas sobre a possibilidade de creditar somente ao uso das telas e das redes sociais os novos sintomas, transtornos e mudanças de comportamentos.
Por outro lado, à medida que a adolescência foi sendo vivida on-line, vimos surgir o aumento da taxa de adoecimento dos adolescentes. Nos últimos vinte anos, em vários países, os sintomas depressivos nos adolescentes subiram de 16% para 21% e a taxa de suicídio de 5,4 para 7 em 100 mil de 2010 para 2015.
Preço da distração
A psicóloga Júlia Ramalho, CEO da Estação do Saber, destaca que “são quase 18 anos imersos no mundo on-line para a criação de hábitos, comportamentos e impactos na subjetividade e saúde mental. Ainda ‘admirados com o mundo novo tecnológico fomos permitindo e não fizemos estudos longitudinais para entender qual foi o impacto disso, apenas colhemos o resultado sem conseguirmos entender as reais causas” .
Dessa forma, Júlia alerta que, mesmo sem tantos dados, podemos e devemos questionar por que cada vez mais vimos surgir uma explosão de diagnósticos de TDAH? Pesquisas mostram uma tendência consistente de que o tempo de tela elevado está associado ao aumento dos sintomas de TDAH em crianças (Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences). Ou mesmo, porque vimos surgir o vício em jogos e apostas online? Hoje 46% dos jogadores de apostas esportivas on-line no Brasil são jovens de 19 a 29 anos.
Os efeitos dos smartphones e das mídias sociais sobre a saúde mental dos adolescentes e atuais jovens adultos devem ser inseridos como objeto das discussões no ambiente das empresas.
O cérebro desses jovens se reconectou de forma diferente. A reconfiguração pode ser observada na forma como a digitalização impactou os jovens em comportamentos mais impulsivos e ansiosos. Nesse sentido, pode-se apontar para um maior risco de deterioração da saúde mental. Agora, o problema não é só das famílias e escolas, mas também das empresas. Afinal, como lidar com esse profissional? Nunca foi fácil lidar com gap geracional, mas esse novo contexto traz desafios ainda maiores.
Evolução e alerta
Pesquisa da Pew Research Center, de 2022, mostra que os próprios adolescentes estão mais propensos hoje do que há dois anos a descrever o uso de mídias sociais como excessivo. Mais de quatro em cada dez adolescentes (45%) afirmam passar muito tempo nas mídias sociais. Esse número representa um aumento em relação aos 27% registrados em 2023 e aos 36% registrados em 2022 .
A pesquisa ainda aponta uma redução do número de adolescentes que agora reconhecem as mídias sociais como um sistema de apoio. A parcela dos que afirmam que as plataformas de mídia social os fazem sentir que têm pessoas que podem apoiá-los em momentos difíceis caiu de 67% em 2022 para 52% em 2024. Também caiu a quantidade dos que acreditam que as mídias sociais permitem que eles mostrem sua criatividade, se sintam mais conectados com os amigos ou se sintam aceitos. No entanto, cerca de metade ou mais ainda reconhece os efeitos positivos dessas plataformas.
Plataformas como o TikTok estão se tornando polos de defesa da saúde mental, e talvez isso esteja ajudando a aumentar a consciência sobre o tema. Segundo a Pew, 34% dos adolescentes estão acessando informações sobre ansiedade ou depressão por meio das mídias sociais.
Contudo, pesquisa do Canadian Journal of Psychiatry, ao analisar 100 vídeos sobre TDAH no TikTok constatou que 52% das postagens tinham informações incorretas, 27% tinham apenas relatos pessoais e apenas 21% tinham informações úteis e confiáveis sobre o assunto. Embora estejam mais conscientes sobre a saúde mental, não necessariamente estão bem informados sobre o tema.
Ao analisar o impacto das redes sociais e a saúde mental dos jovens millennials nas organizações, Júlia Ramalho destaca a visibilidade de dados de rastreio apontando para quadros de ansiedade. “Estes jovens, que agora estão trabalhando nas empresas, foram se desenvolvendo desde a adolescência num mundo hiperconectado e veloz” e apresentam nas nossas pesquisas indícios de ansiedade, diz ela.
Transição com a NR-1
Estamos na fase mais importante do debate sobre a saúde dos trabalhadores. A pauta está em foco, especialmente neste momento de transição para a implantação da Norma Regulamentadora (NR-1). A saúde mental no ambiente corporativo precisa ser tratada com seriedade levando em conta a complexidade do tema.
O Instituto Nacional de Saúde Mental (INS), dos EUA, destaca a importância da comunicação aberta para ajudar os adolescentes a se sentirem apoiados. E agora essa questão deve ser tratada nas organizações também: será que os líderes e colaboradores jovens estão abertos para essa conversa?
É preciso que se olhe para múltiplos fatores, a saúde mental na organização precisa ser estudada nesta interseção de vários saberes que lançam luz sobre o indivíduo-e-empresa. Alguns desses fatores, como as redes sociais, precisam ser mais investigados e de forma mais longitudinal, avaliando como essa exposição reconfigura a subjetividade e a saúde de adolescentes, que em breve se tornarão jovens adultos no mercado de trabalho.